segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Crítica - Azul é a Cor Mais Quente

    Esta crítica é, na verdade, uma análise geral de toda a história do longa, portanto possui alguns spoilers. Nada de muito sério ou prejudicial, mas é bom avisar aos desavisados que ainda não viram o filme (mas devem vê-lo logo, vão, corram pro cinema!).


    É assustador como alguns filmes chamam a atenção de alguns pelos motivos errados. Quantas pessoas não ouviram falar de "Azul é a Cor Mais Quente" devido à tal "cena-de-sexo-lésbico-de-quase-dez-minutos"? E é ainda mais assustador pensar que algumas pessoas só vão ao cinema assisti-lo por causa disso. Por outro lado, é ótimo que muitas que o assistem consigam perceber o que o filme de fato é, e notar que a tão falada cena não está ali para chocar ninguém e possui um profundo valor narrativo. Julgamentos à parte, vamos falar do longa.

    Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, "Azul é a Cor Mais Quente" é uma adaptação de uma HQ francesa escrita por Julie Maroh. O filme, dirigido por Abdellatif Kechiche (de "O Segredo do Grão"), conta a história de Adèle (Adèle Exarchopoulos, de "Quando Eu Era Sombrio") e sua busca por si mesma durante a juventude. Ela não sabe o quer para seu futuro, não se compreende, não se adapta ao mundo: ela é adolescente. Pressionada pelas amigas (e por que não por si mesma?), Adèle aceita sair - e perder sua virgindade - com um garoto de seu colégio, mas ela não se sente bem com ele, aquilo não a faz feliz, não a completa.

    Em seu início, o roteiro, assinado pelo próprio Abdellatif Kechiche junto de Ghalia Lacroix, pontua muito bem o universo perdido, desfuncional e cheio de incertezas da protagonista. Ela não se parece com suas amigas, não sente atração pelo garoto que todas acham lindo, está fora do padrão. Aos poucos, vamos entrando na jornada de descoberta de Adèle. O grande ponto de virada é quando ela cruza na rua com uma garota de cabelos azuis e não mais consegue tirá-la da cabeça. E, então, numa bela cena, vemos Adèle fazendo sua primeira descoberta: seu próprio corpo - sim, o autoprazer.

    Inquieta e sedenta por se descobrir ainda mais, Adèle se joga ao mundo "alternativo". Ela quer se compreender, oras. E é aí que, para sua surpresa, ela reencontra num bar a jovem de cabelos azuis que viu na rua: Emma (Léa Seydoux, de "Missão: Impossível - Protocolo Fantasma"). Se o filme já era encantador por mostrar de forma tão real e bonita o início do caminho de Adèle, é na construção da amizade e do relacionamento dela com Emma que ele deslancha. A união da direção precisa de Kechiche com a fotografia competente e, acima de tudo, com as interpretações memoráveis das duas protagonistas catapulta o filme à aura de melhor filme do ano.

    Cada cena, cada olhar, cada diálogo, cada toque, tudo grita objetivo e realismo. E a longa cena de sexo - que não é a única do filme - carrega tanto simbolismo quanto poderia. Pode-se compará-la com aquela do começo do filme, de Adèle com o amigo do colégio. Observar a forma com que, a partir dali, a protagonista nunca mais seria a mesma. Ou então notar que, naquele momento Adèle se torna ainda mais próxima de nós - não há mais tabu -. A imagem ali pulsa, cheira, fala, tem textura e explode.

    E é assim que o filme se constrói durante suas três horas de duração. Adèle se autodescobre passo a passo. De garota que não sabia o que fazer da vida no final do ano, até mulher com objetivos profissionais traçados. De garota que tentava se adaptar aos padrões sociais, até mulher que busca sua própria felicidade. De garota que tinha nojo de frutos do mar, até mulher que se delicia com ostras. Ela desbravou mundos diferentes, conheceu coisas novas, ela viveu. Esta foi (e é) a vida de Adèle, que ainda não acabou - já que estamos nos tais capítulos 1 e 2 -. Se a Trilogia das Cores de Krzysztof Kieslowski já dizia que a liberdade é azul; Adèle nos conta que, além disso, azul é a cor mais quente.

Nota 9/10
    

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